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sábado, 25 de fevereiro de 2012

MACHADO DE ASSIS, GEORGE CLOONEY,
ANTHONY GIDDENS E A REVOLUÇÃO DA
INTIMIDADE 

Ao ver o filme "Os Descendentes", protagonizado pelo ator George Clooney, indicado para o Oscar, não pude deixar de pensar no "Dom Casmurro", de Machado de Assis e na obra recente do escritor inglês Anthony Giddens, "A Transformação da Intimidade". Giddens, um célebre analista político, nos propõe uma reflexão sobre a impressionante mudança que os valores do afeto sofreram no mundo contemporâneo. Com efeito, entre o Rio de Janeiro senhorial do século XIX, de Machado, e o Havaí moderno e trepidante do século XXI, de Clooney, houve mudanças radicais no comportamento amoroso: o sexo, o casamento, as relações entre homem e mulher, a família, o diálogo com os filhos - tudo ficou mais claro e mais transparente. Quer dizer: talvez a vida seja igualmente difícil e complexa, mas é mais fácil de desemaranhar. A trama dramática de Machado de Assis, diferentemente, se desenvolve em um ambiente repressivo, conservador, cheio de silêncios e preconceitos - e desemboca em um túnel sem saída. Em "Dom Casmurro", a dúvida que assalta Bentinho é insidiosamente desenhada e, pouco a pouco, com refinamento e estilo, conduz a um tortuoso estado de alma. O filho de Bentinho cresce com a cara do seu melhor amigo. Sua mulher, a fascinante Capitu, é a mulher dos olhos oblíquos e dissimulados. A dúvida e a incerteza martelam o seu íntimo até moldar, de forma paulatina e trágica, um homem dominado por uma profunda amargura interior, pela casmurrice e, enfim, por uma irreversível desumanidade. É o produto de um gênio literário - no ambiente de sua época. O mundo de Clooney e sua personagem é bastante distinto do de Bentinho e Machado. A personagem de George Clooney vive em um novo tempo, em que os relacionamentos têm mais visibilidade e as crises são encaradas com mais naturalidade. Ele logo tem clareza sobre tudo. Nome, identidade, endereço - horas e lugares. Isto é: a mais completa certeza factual sobre o homem que foi amante de sua mulher. Nem por isso, há menos dor e conflito. No entanto, ao invés de ensimesmar doentiamente o sofrimento, como em "Dom Casmurro", ele se volta para dentro de si em busca de uma transformação. Descendente de uma poderosa família de proprietários de terras nas paradisíacas ilhas do Pacífico, ele se pergunta: "Quem eu sou? Quem eu tenho sido? O que eu estou disposto a fazer com a terra que me pertence e à qual eu pertenço?" A angústia e o amor perdido não o imobilizam. Ao contrário: o levam ao resgate de si mesmo, da terra, da família e de sua própria humanidade.