A BALEIA E A DEMOCRACIA
Sabe em que eu estou pensando? Em Herman Melville e Karl Popper. À primeira vista, um não tem nada a ver com o outro. Eles viveram e escreveram em épocas distintas. Melville foi um autor de histórias e aventuras no mar - seu romance mais importante, "Moby Dick", foi publicado há 160 anos e é um dos clássicos da literatura americana. Popper foi filósofo e ensaísta e pugnou intensamente, em sua obra " A sociedade aberta e seus inimigos", por uma sociedade plenamente democrática, constituída, na sua essência, de indivíduos autônomos e livres.
"Moby Dick" é uma história de obstinação e vingança. A trágica história do capitão Ahab: sua vida só haverá de ter sentido e sua alma só haverá de ter descanso depois de caçar e trucidar a terrível baleia branca que lhe mutilou a perna. Para tanto, não hesita em submeter toda a tripulação de seu navio baleeiro, o Pequod, a uma jornada fatal. Não lhes dá opção. Impõe-lhes seu destino de ódio e violência. Rouba-lhes a alma, em nome da sua própria obsessão.
Por que associei Melville a Popper? Porque Karl Popper nos diz que isso é o que pode acontecer quando ditadores e partidos políticos ascendem ao poder e impõem a um povo, a uma nação inteira, sua visão totalitária e única, quando é subtraído de cada cidadão o direito de escolher o seu próprio caminho. Popper defende o oposto: uma sociedade que proteja o direito de cada indivíduo de fazer seus próprios planos de vida e de construir sua felicidade. Para Popper, uma sociedade aberta, livre e democrática é aquela em que o cidadão não está preso a uma só seita, a uma só religião, ou a um só partido, a uma só vontade. Uma sociedade aberta, livre e democrática é aquela em que o cidadão pode se dar ao direito de considerar que sua alma é realmente sua. E não dos donos do poder.