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terça-feira, 31 de julho de 2012


HUGO CHAVEZ, LEWIS CARROL E "ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO": O REFLEXO INFINITO QUE NUNCA COMPREENDI
  
Lewis Carrol observa Hugo Chávez - clique na imagem para ampliar

Lewis Carrol escreveu "Alice através do espelho" em 1871, na sequência de  "Alice no país das maravilhas". Seu objetivo era ridicularizar toda a lógica do absurdo que existe por trás da luta pelo poder entre os homens. No Brasil, a obra foi adaptada e traduzida por Monteiro Lobato, em 1961. Lembro que não consegui ler a história por inteiro: era complicado demais. Talvez porque, na verdade, "Alice através do espelho" não era propriamente uma história para crianças. 


Voltei a pensar em Lewis Carrol hoje, justamente no momento em que o presidente Hugo Chavez chega ao Brasil para assumir o Mercosul.


Desde 2006, é importante registrar, está em andamento o processo de entrada da Venezuela no Mercosul como membro pleno, com todas as prerrogativas e garantias dessa condição e em condições de igualdade com os demais integrantes do bloco. Pela primeira vez, desde que foi fundado, o Mercosul passaria a ter cinco, em vez de apenas quatro membros. Essa decisão de cúpula precisou ser ratificada pelo voto de cada um dos parlamentos nacionais. No âmbito do Mercosul, desde o Tratado de Assunção, de 1991, as decisões só podem ser tomadas através de consenso. Havendo discordância de um país, o processo é paralisado. E não há decisão. No Brasil, o ingresso da Venezuela está aprovado desde 2009. O mesmo se deu na Argentina e no Uruguai. É importante ampliar o Mercosul. 


Surge, no entanto, uma outra questão no campo político. Há um país - o Paraguai - cuja maioria congressual se nega a dar o sim à Venezuela. O Paraguai, nesse caso, certo ou errado, outra coisa não faz senão exercer um direito que lhe é assegurado pelas cláusulas do Tratado. Os parlamentares paraguaios alegam que a Venezuela não é uma democracia de verdade e que o presidente Chavez, além de impor um controle autoritário às instituições, o que o reelege infinitamente, tem o mau hábito de intervir nas questões políticas internas de países vizinhos, tomando partido em conflitos de poder locais. Chavez teria apoiado financeiramente a eleição e a reeleição de Cristina Kirchner, na Argentina. Há acusações formais de sua interferência na Colômbia. Pois bem: eis que se instala uma situação paradoxal. Acusado também de descumprir protocolos básicos da democracia na destituição do presidente Lugo, o Paraguai acabou sendo suspenso do Mercosul até 2013. Até aí, bem ou mal, são as regras do jogo. 


No entanto, os três países que assim deliberaram, tirando proveito dessa ausência forçada e obviamente temporária do Paraguai, mais do que rapidamente trataram de introduzir a Venezuela no bloco. Sem dúvida, uma ação astuciosa, uma grande rasteira no Paraguai. Mas...é de se perguntar:  é próprio da tradição diplomática do nosso povo, do povo argentino e uruguaio esse tipo de atitude ? O Paraguai não deve ser respeitado como nação, como coletividade nacional, como membro permanente, vizinho e parceiro comercial ? É correto esse drible de esperteza só porque o Paraguai está momentaneamente impossibilitado de se manifestar? Do ponto de vista da ética entre os povos, muitos analistas consideraram essa tática afrontosa e oportunista. 


Os governos, como o atual governo do presidente Frederico Franco, do Paraguai, são transitórios. Não é a um governo que se está passando para trás. Na verdade, está-se passando a rasteira em uma nação, em um povo, em um país soberano, em um membro permanente - um dos estados fundadores do Mercosul. Aí é que entra o jogo de espelhos. O incrível de tudo isso é que o Paraguai sempre foi contra a entrada da Venezuela no Mercosul sob o argumento de que a Venezuela não é um país verdadeiramente democrático. E agora - olha só - a Venezuela entra no Mercosul no momento em que o Paraguai é afastado temporariamente sob a acusação de não ter tido um comportamento verdadeiramente democrático. É o espelho frente ao espelho e seu reflexo infinito. Lembrei-me de Lewis Carrol e dos espelhos de Alice, que quando menino não compreendi. Não sei. Talvez continue não compreendendo.