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domingo, 24 de junho de 2012

POBRE LUGO, POBRE PARAGUAI, POBRE DEMOCRACIA
O ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo, construiu sua formação política a partir de vertentes da esquerda latino-americana que tiveram sua vigência nos anos 60 e 70. A corrente política da qual ele é originário, embora sincera, ignorou  cruciais mudanças ocorridas no mundo nas últimas décadas. Quando uma ideia ou um método estão fora de seu tempo e lugar, ao invés de produzir soluções, acabam produzindo apenas crise, impasse, imobilidade e, quase sempre, o pior: um efeito contrário aos seus objetivos. 
O discurso político sustentado por Lugo, no entanto, mesmo envelhecido e incapaz de garantir na prática avanços reais àqueles a quem pretendeu defender, foi inegavelmente o discurso que o elegeu. Diferentemente do que aconteceu em outros lugares, Lugo não pode ser acusado de ter vencido com um discurso e governado com outro. Não. Lugo foi rigorosamente coerente com o sucesso político de seus dogmas e de seu anacronismo. Colocou em prática o seu discurso: o mesmo que o levou ao epicentro do poder também o levou ao abismo.
      Nunca é demasiado reafirmar: o mundo mudou, mas a transformação social continua uma necessidade urgente e absolutamente inadiável. As diferenças, os dramáticos desníveis de acesso aos meios de produção e à renda não desapareceram. A miséria e a injustiça constituem ainda a amarga realidade de imensas parcelas desta América Latina. 
     Hoje, no entanto, a ruptura com esse estado de coisas passa por outras formas de luta. Há muito mais avanço, há muito mais mudança e transformação social em políticas públicas lastreadas na cooperação do que nas ações engendradas a partir do conflito e da ruptura. A governabilidade hoje é essencial à defesa dos excluídos. Destruir a governabilidade é destruir os instrumentos de luta dos menos favorecidos.
     A erradicação da pobreza depende hoje da capacidade de se produzir consenso em torno de um projeto comum e socialmente solidário, que se construa em um ambiente de  diálogo, confiança e soluções negociadas, um ambiente favorável aos investimentos, ao crescimento econômico, à geração de empregos, à  legitimação e viabilização da pequena propriedade agrícola. Ou seja: em uma democracia de mercado na qual o Estado não abra mão de seu necessário papel de iniciativa e coordenação em defesa do bem comum. 
  Diante do desfecho surpreendente da crise política do Paraguai, é importante deixar claro: Lugo tem uma visão política extemporânea, superada - equivocada, talvez - mas não criminosa. Mesmo que seus movimentos de governo tenham sido vacilantes, erráticos e contraditórios, a decisão-relâmpago de subtraí-lo da presidência não deixou de causar estranheza e mal-estar. Mesmo que tenha sido por meios constitucionais e pela maioria das duas casas do Congresso.  Os instrumentos que a democracia inventou para resolver esses equívocos são outros: a organização política, a liberdade de expressão, o debate, o diálogo e o voto.
    Se vivesse no Paraguai, provavelmente não teria votado em Fernando Lugo. Mas também de modo nenhum apoiaria sua destituição.